29 maio 2014

O primeiro voo

postado por Manu Negri



Sabe por que as pessoas não comem cocô?
É porque tem certas coisas que a gente não precisa provar pra saber que são ruins.

Este é o meu caso com aviões.

Ao fazer o check-in da minha primeira viagem, a barriga começou a doer. Eu deveria me dirigir ao salão de embarque dali a 25 minutos. Poderia atrasar um pouco, né?, assim eu tinha chance de fazer uns exercícios de respiração. A gente conhece aquele velho fenômeno do tempo passar rápido quando nos divertimos e devagar quando estamos entediados ou sofrendo mas, nesse caso, o tempo passou voando enquanto eu sofria só pra sofrer mais ainda em seguida.

Depois do salão de embarque, enfrentei uma das piores partes desse processo doloroso: passar pelo túnel bizarro que leva até a porta do avião. A sensação que eu tive deve ser a mesma que as pessoas têm ao ver a morte chegando.

Minha poltrona era na janela. Abri aquela cortininha e percebi estar sentada exatamente entre a asa e a turbina. Consegui ver fogo saindo dali, fumaça, o avião perdendo altitude...
Fechei a cortina.
Respirei fundo.

Pessoal tava terminando de embarcar. Como é que pode, todo mundo feliz e tão calmo. O comissário de voo parecia um elfo, de tão pálido, sereno e despreocupado. Senti inveja.

Depois de um minuto de luta, consegui afivelar o cinto de segurança. Bem apertado, diga-se de passagem. Olhei pras costas do banco da frente. "Esse banco pode flutuar no mar". Bom, aí está meu grandissíssimo foda-se, porque ninguém nunca vai conseguir testar, já que se o avião cair no mar, todos vão MORRER.

O cara que sentou do meu lado era um quarentão. Calmo, como todos os outros passageiros; parecia estar no cinema esperando o melhor filme do mundo começar. Provavelmente publicitário, pois folheava uma revista e dispensava mais tempo nas propagandas do que nas matérias. Ou então era apenas um outro pobre coitado, assim como eu, passando um terrível cagaço na vida e tentando se distrair com imagens de sapatos. Mas não era disso que eu precisava ali: precisa de alguém firme pra segurar na minha mão, olhar nos meus olhos e dizer que tudo ia acabar bem.

Detestei aquela parte das explicações sobre saídas de emergência e máscaras de oxigênio caindo. Evitei ficar mais de trinta segundos com o panfleto de segurança nas mãos. Melhor não saber de nada, melhor não ouvir nada, por mais que a voz calma do piloto fosse muito apropriada para a locução dos comerciais da Pousada do Sandi.

Enquanto o avião dava a tradicional voltinha na pista para preparar a decolagem, tentei rezar todas as orações que conhecia. Um moço da fileira do lado já roncava. Como era possível? Nos bancos da frente, uma jovem mãe brincava com seu bebê. Ótimo. Deus não mataria uma criança, mataria?

Inevitavelmente, chegou o momento do meu suplício. O avião atingiu, a meu ver, a velocidade da luz. Me agarrei nos braços da poltrona. Decolou. Tomei cuidado para deixar todos os meus esfíncteres devidamente fechados. Soltei um JESUSCRISTOSACRAMENTADO, talvez um pouco alto, o que fez com que meu companheiro de viagem finalmente prestasse um pouco de atenção em mim e largasse aquelas merdas de propagandas.
- Você não está acostumada ainda, né?
Ele me ouviu dizer "É a minha primeira vez", entre os dentes.
O simpático quarentão tentou me acalmar, dizendo que aquele era o meio de transporte mais seguro do mundo e que acidentes eram muito raros. Foi aí que pude explicar a minha muito conveniente tese de que, se eu estivesse num ônibus e ele capotasse ou batesse - o que acontece com muita frequência -, eu até poderia sobreviver. Se o avião caísse, não. A chance disso acontecer é uma em sei lá quantas mil, mas não é seguindo o mesmo pensamento que você continua jogando na Mega Sena?

Bom, ele riu.


De repente, um som de DING DONG. Achei que era hora das tais máscaras caírem. Aí o moço disse que era porque o avião havia estabilizado. Uau, que bom, então a pior parte passou. Finalmente abri a cortina da janela e apreciei o tapete de nuvens. Nunca imaginei que fosse tão bonito. Pena que não durou muito, porque, quando o piloto anunciou uma passagem de turbulência, pensei ter visto meu estômago no teto do avião.

Depois de um longo tempo que achei durar meses, enfim pude ver casinhas, estradas, matinhos. Oba, estávamos descendo. Aí lembrei daquela história de que o maior índice de acidentes aéreos se dá na decolagem e no pouso.
Detesto o meu cérebro, às vezes.

Mas, quando as rodas finalmente tocaram a pista novamente, esqueci o estrondo, as sacodidas, a bela pizza debaixo do meu braço e suspirei. Estava viva. Meu Deus, como a vida é bela, vou passar mais tempo com a minha família, realizar meus sonhos e fazer academia todos os dias.

Saí do avião com as pernas bambas. O Quarentão Publicitário me desejou sorte nos próximos voos. Segui a procissão de passageiros até a salinha onde a gente espera por incontáveis minutos a mala chegar; minutos que me fizeram pensar em algumas coisas: sim, avião é uma coisa prática. São 8h de ônibus feitas em 42 minutos. Esse argumento ainda não tinha me convencido a mudar meu conceito de viajar, mas prefiro não sofrer mais por antecedência.

Meu próximo voo está marcado pra junho.


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