28 janeiro 2015

Clichê de família

postado por Manu Negri



Esperei por você tanto tempo. Se for menina, vai se chamar Ana. Se for menino, João. Espero que seja menina. Mas vai ser lindo um menino também.

É menino.

João tá ficando bem parecido com o pai, né?  Vai arrasar corações. Já imagino virando médico. Só pra ficar assim, cara de um e focinho do outro mesmo. Os homens da minha vida.

Coloquei o garoto na aula de bateria. Eu sei, ele queria violino, mas acho bateria tão... forte, diferente. Escreve o que estou dizendo: ele vai me agradecer depois. Por isso e pelas roupas transadas que eu comprei, que é pro João parar de andar feito mendigo. Mora sob meu teto: segue minhas regras.

Corta esse cabelo, João. Tá parecendo veado. Ah, vão raspar quando você passar no vestibular? Tá certo, filho. No curso de quê? Belas artes?! Porra, João, e a medicina que tanto conversamos? Eu sei que a gente tem que ser feliz fazendo o que gosta, mas e o que a família vai pensar, não conta?

João me contou que é veado. Mesmo baterista e de cabelo curto. Depois de tudo o que eu fiz. E pior: tá de namoro firme. Com um tal de Renato, que não quero ver nem pintado. Que desgosto, meu Deus. Acho que minha vida termina aqui.

Nem pense nisso, João. Não precisa sair de casa, meu filho. A gente conversa melhor.  Quer mesmo largar esse gatilho de um futuro brilhante pra cursar teatro e tocar violino no Rio? Com o Renato, ainda? Ah, você quer. Entendo. Sim, entendo. Entendo que você quer é acabar comigo. Imaginei você casando, João, tendo filhos, aumentando a família... é óbvio que eu sei que dá pra adotar, mas e o nosso sangue? Como vou olhar pra uma criança e não enxergar a gente? Francamente, João, olha o rumo que sua vida tá tomando. Não foi isso o que eu sonhei pra você.

Não foi isso o que eu sonhei pra mim.


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