02 dezembro 2017

O dia em que morri no show do Sigur Rós

postado por Manu Negri

Fotos do post tiradas pelo talentoso amigo Fabricio Vianna
Nesses últimos 13 anos em que esperei por um show da minha banda favorita, imaginei várias coisas. Um anúncio de turnê deles no Acre. Uma rápida aparição em algum desses festivais de música que nunca tenho interesse em ir. Trocentos boatos de uma volta ao Brasil, como aconteceu. E, também, um grande silêncio junto de roteiros de viagem pra Islândia, o que seria minha última aposta pra, um dia, poder ver o trio de perto.

Minha sorte mudou no começo deste ano. Eu não estava preparada pra receber a notícia de um show do Sigur Rós no Brasil, mais precisamente em São Paulo, a uma hora de voo de onde estou. Acho que foi um dos momentos mais empolgantes da minha vida. Meus braços formigaram. Saí da minha sala de trabalho em direção à varanda pra espalhar as boas novas via telefone, quase em lágrimas.

Nunca tive muitos sonhos ambiciosos. Ou melhor, nunca tive muitos sonhos, desses que colocamos como meta pra realizar antes de morrer. Mas ver Jónsi, Orri e Georg juntos a poucos metros de mim era um deles. Minha história com a banda começou na adolescência, quando eu costumava dormir de madrugada escutando música, conversando com amigos no finado MSN, descobrindo coisas sobre o mundo e sobre mim. Quando dei play em Untitled #4, do álbum ( ), foi amor à primeira ouvida. Um tipo de som que eu nunca tinha experimentado antes, tão envolvente e absorvente, que dispensava traduções de quaisquer letras em islandês. Era apenas preciso sentir. Naqueles tempos, em que eu ainda me considerava religiosa, dizia que ouvir Sigur Rós era ouvir Deus cantando.

Fiz contagem regressiva durante meses até chegar o dia 29 de novembro. Consultei a previsão do tempo por algumas semanas, antecipando problemas, atrasos e cancelamentos no aeroporto. Nada poderia me atrapalhar. E não atrapalhou.

Faltando duas horas pro início do show, vi muitas pessoas na fila pra entrar no Espaço das Américas. Muitas, de todos os tipos; um combo diversidade. Bonito demais. Uma vez lá dentro, suspirei, meio que de alívio, meio que de emoção. Pronto, estou aqui, vai acontecer, caralho!. Usei o banheiro. Chorei um pouco sentada no vaso, me sentindo estupidamente feliz. Junto das melhores companhias possíveis para aquela noite, não fiquei grudada na grade, mas afastada o suficiente pra poder enxergar o palco, os instrumentos e o painel do fundo. Em torno de 15 minutos atrasado, Jónsi foi o primeiro a pisar lá em cima. Uma onda elétrica passou por mim. Puta que pariu, o cara é de carne e osso mesmo.

Infelizmente algumas cabeças em corpos de 1,80 m pairavam na minha frente, mas ali, bem na altura da minha vista, se formou um caminho sem obstáculos que me levava diretamente à imagem de Jónsi colado no microfone, com sua guitarra e arco de violoncelo, sempre de olhos fechados. Juro pra vocês que eu fiquei a porra do show inteiro olhando pra ele igual a dona Florinda quando encontra o professor Girafales.


Foram quase duas horas de puro deleite, aplausos, silêncios, uma marofa do cacete e lágrimas. Apesar do setlist não ter tido muitas das minhas canções favoritas, foram muitos os pontos altos da noite. Á, que abriu o espetáculo, já nos desmanchou, acompanhada de efeitos visuais belíssimos. Glósóli, dona de um dos clipes mais incríveis que já vi, arrepiou até os cabelos daquele que não deve ser nomeado. Em E-bow, foi difícil conter meus soluços. Sæglópur me fez sair do transe e ter que gravar uma parte do show. Ný batterí, que não ouvia há anos (de um dos primeiros álbuns, lançado no final dos anos 1990), foi uma surpresa. Os mais de dez minutos de Popplagið fecharam com uma chave de ouro simplesmente apoteótica.       

A voz de Jónsi já não é mais a mesma na hora de alcançar os agudos, mas sua guitarra com o arco, a bateria animal do Orri e as projeções em 3D - que, em momentos, criaram ilusões de ótica fodas - conseguiram nos transportar pra outro plano. Como imaginei, assistir ao Sigur Rós ao vivo é uma experiência multissensorial. Cada batida reverberou em meu corpo inteiro, dos pés à garganta, que se confundiram às minhas, na casa dos 150 por minuto. Ao final, as músicas dançavam nas minhas veias. Eu era feita delas.       

Jónsi, Orri e Georg voltaram ao palco uma última vez para aplaudir, mãos para o alto, junto com a gente e com uma bandeira do Brasil. Nada disseram, nem em sua língua nativa. Mas nem precisava. Meu coração já era deles, mas, dessa vez, era a minha alma que ficava por lá.

Takk, takk, takk






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