22 março 2018

O amor que transcende espaço e tempo em PACIÊNCIA

postado por Manu Negri


Não sou das maiores leitoras de quadrinhos (infelizmente, e por enquanto), mas topei com a existência de Paciência naquela considerada a melhor rede social da world wide web: o Twitter. Na ocasião, alguém retuitou um desconhecido elogiando a obra e usando as palavras mágicas que deixaram minhas anteninhas ligadas: "viagem no tempo". Não precisei nem de dez minutos pra comprar um presente pra mim mesma.

Quando abri o pacote de papelão dos Correios, pouco tempo depois (ou seja, um milagre), me deparei com um trem tão lindo que deu vontade de folhear com luvas, pra não correr o risco de estragar. Capa cartonada, um acabamento gráfico sensa, hot stamping no título e muitas cores. Joguei o pacote no lixo do quarto e já fui deitando na cama; um par de horas depois e eu havia concluído a leitura.

Paciência levou cinco anos para ser produzida por um dos principais nomes dos quadrinhos indie norte-americanos – Daniel Clowes. O sujeito, pelo que andei fuçando, tem muitos fãs, outros títulos premiados, adaptação pro cinema, e esse seu trabalho mais recente já ganhou espaço em listas de melhores quadrinhos de 2017. O segredo para tanto sucesso talvez tenha parte na estratégia de Clowes em não deixar uma sinopse na contracapa, apenas uma frase misteriosa: "Uma viagem cósmica através do espaço-tempo rumo ao infinito primordial do amor eterno". E, se posso começar falando alguma coisa sobre potencializar sua experiência com essa HQ, é justamente "quanto menos você souber a história, melhor".

(Olha, mesmo eu comprando Paciência sabendo o mínimo possível, eu não queria contar esse mínimo possível aqui. Se bem que, agora, o mínimo do mínimo você já sabe, que é viagem no tempo. Então, acho que isso já é o suficiente. E que Paciência é o nome da amada do cara que nos guia pela história, chamado Jack Barlow.)

A HQ nos apresenta uma pegada desse viés de ficção científica que quebra expectativas, mas de forma perfeitamente acessível. Entre as reviravoltas que acontecem para nos tirar do lugar (mesmo no meu caso, perfeitamente confortável sobre almofadas), a trama bem costurada trata de obsessão, amor, de como pequenas coisas podem virar nossa vida de cabeça para baixo e das consequentes dificuldades de superar o passado. E, em meio a isso tudo, encaramos uma evolução orgânica de um personagem que inicialmente se mostrava um banana e termina como outra pessoa, provocando reflexões sobre questões morais e o que acharíamos delas se ficássemos face a face com a situações que Jack enfrentou, ajudando-nos a compreender suas motivações. No fim das contas, Jack não tinha Paciência nenhuma – nos sentidos que você quiser imaginar: uma conclusão meio tosca da minha parte, mas que quem leu provavelmente deve concordar.


Paciência nos conduz por páginas recheadas de suspense, sarcasmo, acidez, pessimismo, loucura, até críticas e uma participação pequenina de Luan Santana (é verdade!) (taí uma coisa desnecessária, era só traduzir a música do inglês). O balanço entre narrativa textual e visual, pra mim, é bem equilibrado. O traço não chega a ser realiiiista (na real, em vários quadros é meio mal-acabado), mas achei bacana como as cores vibrantes ora fazem um contraponto ao pessimismo mencionado, ora reforçam a loucura dos pensamentos de Jack, numa linha um tanto psicodélica. Aliás, em vários momentos os balões de fala de outros personagens são cortados pelo espaço do próprio quadro, em uma solução criativa para mostrar para o leitor como o Jack estava absorto por outras distrações, ações ou pensamentos (geralmente ligados a uma certa obsessão), não prestando atenção no que está sendo dito.

O final de Paciência pode requerer alguma interpretação ou reflexão maior sobre o que de fato aconteceu, mas, pela minha experiência, mais valeu a jornada de leitura até ali do que o fim em si. De qualquer forma, é uma HQ que merece ser apreciada pelo menos duas vezes. De preferência, antes de o filme baseado na obra estrear em algum ano desses – os direitos foram comprados pela Focus Feature e, segundo as boas línguas, o roteiro será do próprio Daniel Clowes.

Ficha técnica
Editora: Nemo
Tradutor: Jim Anotsu
Páginas: 180
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