05 março 2016

O trunfo de "A bruxa" está na sua simbologia

postado por Manu Negri


Três horas antes da sessão e a sala já estava praticamente lotada. Enquanto eu me sentava no meu lugar marcado, vários góticos suaves, adolescentes e um moleque invocando o belzebu procuravam suas poltronas. Naquele momento, imaginei que no meio do filme ele dispararia tiros contra a plateia, no melhor estilo american way of life, mas achei que um revólver pudesse ser uma arma pouco satânica, e usar facas contra toda aquela multidão daria muito trabalho. O que importa é que o marketing de A bruxa fez efeito: críticas positivas da mídia especializada, elogios de Stephen King e até de um tal Templo Satânico venderam A bruxa como uma grande promessa pra te deixar cagado de medo no cinema.

Estamos no ano de 1600 e pouco, numa comunidade rural da Nova Inglaterra. A família super-religiosa do patriarca William, composta por ele, a esposa e seus cinco filhos, é expulsa da colônia onde viviam por motivos não esclarecidos e é obrigada a se isolar próxima a uma floresta densa, vivendo de caça, plantação própria e muita oração ao nosso bom Senhor Jesus Cristo. Quando o caçula, o bebê Samuel, desaparece de forma bizarra, a paz na rotina daquelas pessoas também vai embora; coisas estranhas começam a acontecer, enquanto uma suspeita de bruxaria se fortalece.

Vamos começar com um WARNING FÃS DE ATIVIDADE PARANORMAL: A bruxa não é um filme de terror jumpscare. Se você estava com isso na cabeça, é melhor nem ir ao cinema, pra não atrapalhar a experiência das outras pessoas (essa minha sessão estava cheia de murmurinho e gente frustrada). No entanto, se você gostou de O Babadook e Corrente do mal, por exemplo, então A bruxa foi feito pra você. O filme é puro horror sugestivo e usa ferramentas muito melhores, na minha opinião, pra te deixar assustado o tempo inteiro, do que monstrinhos aparecendo de surpresa no canto da tela. Aqui, temos uma fotografia belíssima que aproveita a luz natural, escura, sombria e sufocante; uma reconstrução de época extremamente bem feita; cenas longas e mais lentas, principalmente na primeira metade, e uma trilha sonora que eu só consigo classificar agora como insana: desafinada, incômoda, lembra um pouco os cantos gregorianos (puxando para a dualidade religiosidade x profanidade) e parece realmente evocar o mal. Tudo isso é o que constrói a atmosfera tensa e provocativa de A bruxa.


03 março 2016

Uma história sobre fé, vida e morte em "Revival"

postado por Manu Negri


Como é bom já ler livro de mozão Stephen King no começo do ano! (mozão no sentido de leitura boa, né, porque eu num garrava ele jamais.)

Revival foi lançado no final de 2014 e traz uma história que perpassa os mais de 50 anos da vida de Jamie Morton e seus encontros quase predestinados com o reverendo Charles Jacobs. Aos 6 anos, quando ainda morava em uma cidadezinha da Nova Inglaterra, Jamie se torna um grande amigo do jovem reverendo, que voltou a entusiasmar os cristãos locais com seus sermões contagiantes. No entanto, depois que uma tragédia o faz ser expulso da comunidade, passam-se muitos anos até que os destinos de ambos se cruzassem novamente: com trinta e poucos anos e viciado em drogas, um Jamie rockstar reencontra o então ex-reverendo, que revela estudar uma tal de eletricidade secreta capaz de curar as mais enfermas das pessoas. Capaz de renascê-las.

A sinopse parece não dizer muito? É, talvez. Revival nos transporta para uma história que se passa ao longo de mais de décadas, nos fazendo acompanhar de perto as transformações da vida de Jamie, o protagonista e narrador; e nem preciso dizer DE NOVO o quanto Stephen King tem um talento especial pra isso, né? Ele é capaz de tornar qualquer merda interessante de ler, e é por isso que Revival nos prende a cada página. Não, não por ser uma merda, pelamordedeus!, mas é que ação mesmo, do tipo que seus zóio arregala de ansiedade, você só vai encontrar lá pelo fim do livro.


21 fevereiro 2016

Oscar 2016: apostas, injustiças e mais polêmicas

postado por Manu Negri


No final do ano passado, escrevi um post falando sobre como funcionava o processo de votação da Academia no Oscar e quais eram as apostas mais fortes para os candidatos da premiação neste ano. Bom, eu não fui tão ruim assim, vai. Errei um tantinho, mas acertei um tantão também. O mais importante é que foi bem divertido acompanhar a mídia especializada em 2015 – coisa que pretendo repetir neste ano –, poder arriscar chutar vencedores com um cadim mais de confiança e conhecer novos filmes.

Pouco depois do anúncio oficial dos indicados, a polêmica do Oscar começou E É DISSO QUE O POVO GOSHTADe janeiro pra cá, você ouviu falar sobre a expressão “Oscar so white” (“Oscar tão branco”)? As redes sociais, principalmente o Twitter, pipocaram com essa hashtag, endossada por declarações de artistas (entre eles, Spike Lee e Will Smith) que fariam boicote à cerimônia, que vai ao ar no dia 28 de fevereiro. O argumento é a ausência completa de negros nas categorias, justificada por um suposto racismo dos membros da Academia. Calma, calma: quando digo suposto, não estou querendo tirar o deles da reta não, porque a Academia é sim conservadora e cheia de mimimi. Acontece que a ausência de diversidade não é culpa exclusivamente do Oscar.

A cerimônia de premiação começou em 1929, mas a primeira indicação a um artista negro só veio 10 anos depois. De lá pra cá somamos 87 edições do Oscar, entre as quais apenas 15 atores negros levaram a estatueta. Realmente, são números chocantes. Mas pode crer que o buraco é bem, bem mais embaixo. Afinal, a escolha dos indicados se dá a partir das campanhas de marketing dos filmes que estão querendo concorrer às vagas. Quanto mais buzz, mais chances de entrar na corrida. Dentro deste contexto, portanto, cabe a pergunta: desses filmes que ganham festivais e premiações de críticos - ou seja, mais passíveis de também concorrerem ao Oscar -, quantos possuem atores, diretores ou roteiristas negros? O fato é que a verdade que justifica a polêmica do #Oscarsowhite dói ainda mais quando a gente percebe que o problema da diversidade começa justamente aí, bem antes, nesta falta de oferta de bons papéis a minorias. E se falta representatividade nos filmes, obviamente faltará também no Oscar, que nada mais é do que um reflexo do que acontece na indústria do cinema.

"Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não existem"


01 fevereiro 2016

"Fabricando assassinos": falhas bizarras no sistema penal

postado por Manu Negri


Em dezembro do ano passado, a Netflix lançou um documentário que vem dando muito o que falar. Ou melhor, uma série documental - fato que eu não sabia até dar o play, considerando-se que eu ando fugindo de séries como o diabo foge da cruz pra não ficar viciada. Aí, já era. Making a murderer conta, em 10 episódios, a história real de Steven Avery, um americano que passou 18 anos na prisão condenado por um crime que não cometeu e, dois anos após finalmente ser livre, se torna o principal suspeito de um assassinato. Uma trama de não ficção com tantos plot twists quanto um filme de investigação que me deixou um fim de semana inteiro grudada na tela do notebook.

Em 1985, Steven foi declarado culpado de agressão sexual contra uma ricaça do condado de Manitowoc, Wisconsin, mesmo que sua família tenha provado o álibi no dia do crime e que a descrição do agressor feita da vítima não batesse com o seu físico. O problema é que, além de ter um pequeno histórico de delitos, Steven não era bem visto na região e tivera um desentendimento com a esposa de um dos policiais de Manitowoc.

Na época ainda não existiam testes avançados de DNA. Mas, em 2003, Steven conseguiu provar através de um que não era o criminoso e saiu da prisão decidido a processar o estado em milhões por ter perdido quase duas décadas de sua vida. Ou seja, ficou bem feio pro sistema penal. Em 2005, Steven foi acusado novamente de outro crime: o assassinato de uma jovem jornalista chamada Teresa Halbach, que foi vista por ele pela última vez com vida (segundo a promotoria). É aí que a parte mais bizarra da série começa a angustiar o espectador. Por mais que a linha narrativa seja pouco imparcial, enfatizando a inocência de Steven através de um julgamento detalhado, falta de evidências e insinuações de que a polícia tinha interesses próprios em incriminar Steven, o que assusta é ver a impotência e as falhas escancaradas do sistema judiciário, suscetível a corrupção e disputa por poder. A bagaça é tão surreal que não parece ter acontecido de verdade. É ver o desenrolar da coisa pra crer; recomendadíssimo.


25 janeiro 2016

Joyland: um parque de diversões "bem" assombrado

postado por Manu Negri


Eu fico surpresa quando encontro um livro fino do Stephen King. Acredite, não é muito comum. Joyland tem menos de 300 páginas e, enquanto o levava pra casa na bolsa, imaginava que talvez o livro pudesse guardar uma história despretensiosa e mais rasa do que outras do autor com que me acostumei.

Digamos que estive certa e errada. Despretensiosa, sim. Rasa, jamais. Como fui tolinha! Stephen King nunca escreve nada raso, crianças.

Esse cara tem um talento invejável pra criar vínculos viscerais entre leitor e personagens, não importa como eles sejam. Devin Jones, por exemplo – nosso protagonista em questão –, é um virjão de 21 anos nos anos 70 que acaba de levar um pé na bunda da namorada e está triste e abatido, sem vontade de cantar uma bela canção. Trabalhando como faz-tudo no parque de diversões Joyland, ele resolve dar algum rumo na sua vida e acaba conhecendo gente que vai mudá-la para sempre; inclusive uma moça que foi assassinada há alguns anos no trem fantasma e, desde então, vive no brinquedo ("vive", risos) à procura de uma maneira de ser libertada.